quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Por que correr descalço?

Essa seria a primeira pergunta para quem cogita esta experiência. No entanto, é uma pergunta fundamentalmente errada! A cultura do tênis de corrida está tão arraigada que achamos que ele é peça essencial para a corrida—então por que se livrar dele?

A melhor maneira de responder a esta pergunta é invertê-la.

evidências que os hominídeos de 2 milhões de anos atrás já andavam e corriam de forma muito semelhante a nós. Ainda sem lanças (usadas a partir de 400.000 AEC) ou arcos e flechas (60.000 AEC) para ajudar nas caçadas, provavelmente eles corriam atrás de suas presas. Não corriam tão rápido quanto elas, mas conseguiam correr por muito tempo, até que a presa caísse, exausta e com hipertermia. Assim, nossos antepassados conseguiam proteína e energia suficiente para alimentar seus cérebros em crescimento.

Boa parte dessa correria foi feita descalça, já que a mais antiga sandália descoberta data de 8.000 AEC. Mocassins surgiram em 3.500 AEC. Evidências indiretas apontam calçados no máximo há 40.000 anos atrás. E até o século XIX, não havia diferença entre o pé esquerdo e o direito dos sapatos!

Embora registros de corrida competitiva existam desde 1829 AEC, nos jogos Tailteannos na Irlanda, o ressurgimento dos Jogos Olímpicos, em 1896 EC, difundiu esta modalidade esportiva, que era restrita às castas abastadas. Entretanto, os calçados de então nada se assemelhavam aos tênis atuais. Os primeiros esboços do tênis moderno foram dados por Adolf Dassler, fundador da Adidas, que se especializou em calçados esportivos. Eles eram basicamente feitos de lona ou couro e um solado de borracha.

Até então, todos corriam na ponta dos pés. Não havia amortecimento nos tênis. Foi então que Bill Bowerman, um treinador de atletismo e cofundador da distribuidora de tênis japoneses Blue Ribbon Sports, postulou que, se se aumentasse a amplitude da passada e se mantivesse a cadência, os corredores seriam mais rápidos. Mas, para isso, só se o calcanhar tocasse primeiro o solo. Para absorver esse impacto, ele passou a vender tênis com o calcanhar mais alto que a ponta. Logo em seguida, mudou o nome da sua companhia para Nike (conhece?).

A Nike simplesmente passou a vender a solução para um problema que ela mesma inventou! A partir daí, a cada ano, novos modelos são lançados e os modelos antigos sofrem upgrades, senão as vendas caem. Isso tem transformado os tênis em geral, e os de corrida em particular, em verdadeiros monstrengos de quase meio quilo cada, com mais siglas sem sentido que um laptop da Dell.

Compare a espessura do calcanhar entre o tênis da 1ª
edição deste livro, de 1977, com o da 2ª edição, lançada
apenas 3 anos depois.
Tudo isso seria ótimo se esses tênis estivessem aí para melhorar nossa corrida e diminuir o número de lesões.

Correr com um par de tênis de 350g cada, aumenta em 4,7% o consumo de oxigênio numa corrida a 12 km/h. Correr com tênis aumenta o torque de rotação interna do quadril, de flexão e de torção em varus do joelho se comparado com correr descalço.

Em uma revisão de literatura, não foi encontrado nenhum estudo que indicasse que tênis com calcanhares elevados e acolchoados e com controle de pronação devem ser usados por determinados tipos de pés. Outro estudo mostra que pessoas que usavam tênis escolhidos de acordo com o formato do pé (chato ou arqueado) tinham a mesma taxa de lesões que pessoas que usavam um tênis de estabilidade qualquer que fosse o formato do pé.

Ou seja, se há alguma evidência científica que os tênis melhoram o desempenho ou evitam lesões, as empresas estão escondendo só para elas. O Dr. Craig Richards, um médico australiano, teve a cara de pau de tirar essa dúvida com diversos fabricantes de tênis. Puma e Mizuno cinicamente disseram que o fato de melhorar ou piorar é segredo comercial. A Saucony foi a única franca: disse que não dispunha de evidências.

Sério. Eu sou totalmente contra teorias de conspiração, mas numa indústria que fatura cerca de 20 bi de dólares por ano, ela mesma destruir seu modelo de negócios a esta altura do campeonato é improvável… Para você ter uma ideia, a revista Runner's World nunca publicou uma resenha desaconselhando um único modelo de tênis sequer. Todos eles são bons! O fato de boa parte da receita da revista vir de publicidade de tênis não a torna um modelo de isenção, não é?

Assim, a pergunta que deve ser feita não é "por que correr descalço?", mas sim "por que usar esses tênis enormes, que nos fazem pisar de forma diferente?"

E a resposta é simples: porque os tênis modernos alteram nossa passada natural e, provavelmente, provocam mais lesões que as antigas sapatilhas ou que correr descalço.

Isso, para mim, é motivo para nunca mais usar nenhum deles.

2 comentários:

  1. Gostei das duas capas. Curioso: o Jim Fixx morreu correndo: http://en.wikipedia.org/wiki/Jim_Fixx

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  2. Ótimo post Erik. Eu estou gostando cada vez mais de correr com VFF... :-) Este ano quero aumentar minha quilometragem em estilo barefoot.

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